quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O Cinema e o Marketing Duvidoso


 O sucesso nas bilheterias nem sempre depende da qualidade do filme, mas na maioria das vezes, das ações de marketing envolvidas no seu lançamento. Podemos comprovar isto dando uma breve olhada na lista das dez maiores bilheterias de todos os tempos. Por lá encontram-se pérolas como “Alice no País das Maravilhas” e “Transformers”, filmes que não são grandes exemplos de cinema, mas vieram acompanhados de massivas campanhas para encher as salas e que alcançaram seus objetivos. O meu com este texto é discutir justamente o oposto, quando ótimos filmes não conquistam a bilheteria esperada por terem sido sabotados pelos seus distribuidores.
 As distribuidoras brasileiras tem uma tarefa árdua, e são muitas vezes alvo de ataques infundados por nós, cinéfilos. Pense bem, elas tem de adquirir um produto (o filme), com base no feeling de algumas pessoas ou no burburinho que ele está causando, apostando que o investimento pesado que inclui a divulgação e a distribuição em si, além do próprio custo de compra, dará retorno. Quando elas adquirem um filme, e tempos depois não consideram que seu lançamento seja rentável, ele aparece direto em vídeo para evitar maiores prejuízos. Ou, quando querem lançar um filme importante, mas ainda assim não acreditam plenamente no potencial dele, elas utilizam de uma tática que eu costumo chamar de CANALHICE. A canalhice em questão aqui provém da Paris Filmes. Ela não é a única que faz este tipo de coisa, mas coincidentemente (ou não), os três casos que me motivaram a escrever este texto, são de sua responsabilidade.
 Duas obras têm muito em comum. Estrearam ano passado nos Estados Unidos, suas protagonistas concorreram ao Oscar deste ano e são ótimos dramas repletos de sofrimento e beleza. Falo de “Blue Valentine” e “Rabbit Hole”. Não pense que vou reclamar por terem estreado por aqui com média de CINCO meses de atraso. A isso já estamos todos acostumados e apesar de não gostar, até entendo. O selinho do Oscar no pôster de um filme sempre atrai público. O que está em questão é justamente a necessária campanha de marketing.
 Blue Valentine é um filme sobre o fim do amor. Vemos o início e o término de um relacionamento, que se desgasta ao longo de anos, com repetidas brigas e ofensas. Um trabalho fantástico que reúne roteiro, montagem, direção e atuações primorosas, sem esquecer-se da trilha sonora que até hoje não parei de ouvir. Daqueles que você sai da sala de cinema com um gosto amargo na garganta, mas que cada vez que se lembra do filme, gosta mais dele. E aí me vem a Paris Filmes e faz uma grande campanha para lançar o filme no DIA DOS NAMORADOS. O título, que em uma tradução livre seria algo como “Namoro Triste”, se transforma em “Namorados para Sempre”. O que se consegue com isso? Uma sala de cinema cheia no dia dos namorados, repleta de casais adolescentes, em que a menina espera ver mais um romance chinfrim no naipe de “Um Amor para Recordar” e o rapaz, coitado, foi arrastado até ali. Ele acaba dormindo, e ela sai desolada com o choque da realidade a que foi apresentada, dizendo para todas as amigas que o filme é péssimo. Na semana seguinte Blue Valentine viu sua bilheteria diminuir em 60%, e não sobreviveu até a outra sexta-feira.
 Rabbit Hole, ou em tradução livre “Toca do Coelho” (uma metáfora utilizada no filme), é sobre a dor da perda de um filho. É Nicole Kidman chorando freneticamente do início ao fim do longa, nos mostrando que sobreviveu a todas as plásticas e ainda é uma baita atriz, acompanhada do soberbo Aaron Eckart. Tocante e contido, é quase um estudo sobre o luto. O título em português? "Reencontrando a Felicidade". A de quem eu não sei. Rabbit Hole arrecadou míseros R$159.000,00 no Brasil.
 Juro que tento entender, mas é difícil. O motivo para isso seria porque são diretores desconhecidos do grande público? Porque são filmes pesados de drama que precisam de um incentivo? Então lhe apresento o terceiro exemplo. Uma comédia, de um diretor renomado como Woody Allen, que por si só já atrai milhares de cinéfilos, com um pôster lindíssimo que brinca com uma tela de Van Gogh. Nem com tudo isso, “Meia Noite em Paris” (enfim uma tradução correta) saiu livre. Esse pôster mequetrefe aqui ao lado foi o utilizado no país. Aí eu ouço, na fila do cinema, dois casais conversando. Uma moça dizendo para outra que a obra-prima de Allen era péssima. Ao ser indagada do porque, respondeu: “Olha o pôster! Achei que fosse um romance e era uma comédia ‘toda louca’.” Felizmente a primorosa loucura não foi afetada, e é a maior bilheteria do diretor no Brasil desde sempre. Daqueles casos em que a qualidade do filme prevalece a uma tentativa de sabotagem.
 Talvez nossas distribuidoras não saibam, mas uma das formas de marketing mais efetiva é o buzzmarketing, ou o famoso boca a boca. Conseguir levar o público a sala de cinema em primeira instância, ludibriado, ao invés de alavancar a bilheteria pode fazê-la murchar. Se o público alvo de um filme é um, não adianta tentar conquistar os demais em cima de uma farsa.
 Sonho com o dia em que os títulos de filmes sejam mantidos no original, ou ao menos que se façam traduções que mantenham os significados que seus autores pretendiam. Só assim poderemos nos ver livres de filmes como “Annie Hall” virando “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” em busca de um duvidoso "sucesso".
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