sexta-feira, 3 de junho de 2011

Um Novo Despertar

Fui ao cinema assistir a “Um Novo Despertar” fazendo algo que adoro, mas que hoje em dia é dificílimo: não sabendo absolutamente nada sobre o que ia ver. Tinha visto um pôster, li que foi muito bem recebido em Cannes e só, nem a sinopse conhecia. Por isso foi tão interessante acompanhar a transformação que o protagonista sofre. Já no primeiro take, vemos Mel Gibson completamente despido de vaidade, com um travelling que o filma da cabeça aos pés, exibindo rugas e uma barriguinha considerável, deixando de lado a imagem de homem charmoso que exibia há poucos anos. Gibson interpreta Walter Black, um empresário que está imerso em uma depressão profunda, como nos diz um narrador que ouvimos apenas três vezes no filme, justamente marcando três fases do personagem. Walter chega ao fundo do poço ao sair de casa, deixando mulher e filhos, quando tenta suicídio. Nessa divertida cena especificamente, após levar um tombo segurando um fantoche de pelúcia em forma de um castor, um movimento de braço e uma exclamação me fizeram pensar: “que legal, parece até que foi o Castor que falou.” E aí é que está a mágica de não saber nada do filme e nem mesmo assistir trailers. O castor de pelúcia FALA! Ou quase isso.
A sinopse seria perfeita para uma comédia, mas não espere por uma. Sim, é impossível não rir em diversas cenas que são absurdas por serem protagonizadas por um homem segurando um boneco, mas confesso que eu fiquei é extasiado com o desempenho de Mel Gibson. Seja nos diálogos que protagoniza consigo mesmo, ou em passagens onde está ofegante, e o Castor também aparece ofegante. Em uma cena, ao abaixar a mão onde segura o Castor, Gibson muda completamente a expressão. Do sorriso à tristeza em um movimento, indicação ao Oscar?  Mas “The Beaver” fala sobre depressão, e vai fundo. O sofrimento, a solidão mesmo estando rodeado de gente, a vontade de ficar eternamente em uma cama, tudo está ali, em cada expressão de Walter. Em dado momento um personagem diz: “Depressão é um buraco negro que o puxa para dentro”, metáfora que depois é ilustrada literalmente, nas cenas em que o filho do protagonista bate com a cabeça na parede (!) até fazer um buraco nela (sempre em cenas noturnas).
Jodie Foster como diretora usa e abusa dos closes, focando em cada marca do Mel Gibson e dela própria. Mas o excesso que me incomodou, foi o de cenas comparativas entre pai e filho. Numa tentativa de mostrar que o filho adolescente é parecidíssimo com o pai, várias passagens dizem a mesma coisa, martelando algo que na abertura do filme já havíamos entendido. Funciona muito melhor com o filho caçula (bem mais talentoso que o mais velho), numa simples mordida no lábio, discreta e valiosa.
O roteiro do estreante Kyle Killen, além de um estudo sobre a depressão, é uma crítica à sociedade. Prega que digamos a verdade na cara das pessoas, mesmo que seja dolorida. Faz chacota com livros de auto-ajuda, e brinca com o comportamento habitual da modernidade. Como exemplo me vem à cabeça uma frase que adorei: “Vamos limpar a garagem para sujar a cozinha”. Corajoso, surpreendente, e sincero. Isso até chegar o terceiro ato. Sabe quando você está adorando um filme, e aí apenas uma cena DESTRÓI tudo o que ele construiu? Quando um roteirista escreve um texto inteiro te dizendo uma coisa, para no finzinho fazer exatamente o oposto? Pois é, Kyle Killen critica, mas no último momento, transforma um filme bonito, numa bobagem de auto-ajuda, típico de sessão da tarde. Saí do cinema revoltado.

Um Novo Despertar *** 6,0
The Beaver, EUA
Jodie Foster, 2011

7 comentários:

  1. O que eu mais gostei da direção de Foster foram os enquadramentos do castor. Quase sempre ela enquadra não só o castor, mas Gibson junto, deixando que o filme não ganhe toques de surrealismo, mas deixando ele bem real e deprê, mostrando o ridículo da situação. E Mel Gibson realmente ainda faz um cara doido como ninguém.

    E vc fala da cena da montanha russa no final? Não achei tão ruim assim.

    ResponderExcluir
  2. Realmente, os enquadramentos do Gibson e o Castor juntos são sempre interessantes.

    Na verdade me refiro a cena do discurso.

    ResponderExcluir
  3. Não achei o discurso tão ruim assim, achei ele até condizente com o resto do filme. Pelo que eu me lembre, a mina fala que a vida às vezes é uma merda (coisa que o filme mostra até o momento), mas que mais importante que isso é o apoio de alguém. E aí a ficha do filho mais velho cai e ele procura se reconciliar com o pai. Dentro da trajetória do moleque, acho justificado, afinal, mostra o amadurecimento dele tb, de certa forma, até mais do que o pai Mel (afinal, o moleque saiu do buraco negro dele).

    O que eu achei forçado foram as cenas finais, da "família feliz". Até entendo que a Jodie Foster não quisesse terminar o filme com a cena que o filho mais velho vai visitar o pai (eu terminaria o filme aí), pq acaba sendo bem mais deprê, do que mostrar um momento em que todos se divertem, deixando o final com um clima de esperança.

    E tinha que ter o nome do Anton Yelchin no cartaz, afinal, os protagonistas do filme são pai e filho. A Jodie pouco explora a sua própria personagem (acho que a única cena digna de nota da personagem dela é a no restaurante).

    ResponderExcluir
  4. Cocordo com o que você disse sobre o final feliz. Também terminaria o filme com o pai visitando o filho, mais conciso.

    Quanto ao discurso, eu fiquei realmente decepcionado. Aquele era o momento de ela fazer o que eu filme faz, dizer verdades. Aí no meio do caminho, ela deixa o discurso de lado e me vem com aquele papinho de "olhe para o lado, tem alguém que ama você". Fala do irmão que morreu... achei uma uma barra forçaaada. Textinho típico de auto-ajuda.

    ResponderExcluir
  5. Oi, Nilson, não achei a cena do discurso esse desastre que você, entendo que têm um quê de auto-ajuda, mas é na verdade a forma de desnudar o Poter e fazê-lo perdoar o pai. Sem isso, ficaria mais falso ele ir ao hospital, afinal, ali ele percebe que o discurso que escreveu falava dele próprio e não da menina. Para mim, pai e filho são o mesmo personagem (não literalmente), é o ciclo familiar, com o garoto entendemos o porquê do pai ser assim. Mas, ele consegue quebrar o ciclo.

    Também terminaria na cena do hospital, mas sairíamos todos direto para o consultório psiquiátrico do filme, hehe.

    ResponderExcluir
  6. Bacana seu texto, lembrou-me de momentos aos quais nem tinha dado tanta atenção. Não acho que o grande problema do filme seja a cena do discurso (compartilho do que alguns acima comentaram), embora a ache fraquíssima e inverossímil, mas sim num certo tom de indecisão sobre qual foco narrativo seguir no filme. Parece-me que ao ir atrás de fazer paralelos com a história do filho mais velho, a de Walter perde força. O filme também me pareceu irregular nas atuações, especialmente na de Gibson. Afinal, o humor do filme deveria ser involuntário, mas o ator, em certas cenas, faz umas poses bem clichês que soam forçadas (como esforço cômico). Algumas frases inspiradas me fizeram pensar, alguns momentos foram muito bem dirigidos, e gostei. Mas, claro, poderia ter sido melhor. 6/10

    ResponderExcluir
  7. O termo autoajuda já se tornou clichê e não se encaixa ali. Como ele tinha que fazer um discurso, ele pensou nele em relação às pessoas em geral, afinal muitos não têm idéia das tragedias e infernos pessoais. O discurso foi ousado e não feito para animar: isso seria autoajuda. Foi sombrio, coisas que as pessoas não gostam de ouvir.

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails