Atenção: Só leia este texto se você já assistiu ao filme.
Há dez anos, lembro-me perfeitamente. Era novembro de 2001, quando em uma tarde de várzea como eram quase todas naquele tempo, zapeava a TV procurando em vão, algo de bom para assistir. Eis que num programa vespertino qualquer, daqueles em que com certeza eu não era o público alvo, estavam falando sobre as estréias da semana nos cinemas. Uma delas era Harry Potter e a Pedra Filosofal. Naquela época, a fama dos livros já era enorme e eu, do alto dos meus 12 anos achava tudo uma baboseira, sem jamais ter tido um pingo de vontade de ler, ou mesmo ver o tal filme que viria. “Magia? Um menino bruxo? Que coisa mais besta!” Eis que assisto um trecho do tal filme. Uma cena. Foi o que bastou para me fisgar. Uma aula de vôo, ministrada por Madame Hooch. A partir daquele momento não sosseguei enquanto não assisti ao filme. Depois disso, li todos os livros que já haviam sido lançados, e acompanhei toda a evolução da série. Era simples diversão, jamais imaginaria que ao chegar ao final, fosse mexer tanto comigo.
Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 2 começa exatamente onde o anterior terminou, sem introduções. Sem nem mesmo a trilha sonora imortalizada de John Williams que abriu todos os filmes até aqui. Ao invés dela, um coro de vozes, já anunciando a melancolia que tomaria conta de todos. Mas os acordes de Williams estão presentes a todo momento, tocados de várias formas, encaixando entre as composições de Alexander Desplat, que desta vez se supera, com uma trilha muito superior ao filme anterior, com destaque para o momento emocionante em que feitiços são lançados para proteger a escola. O inicio, com diálogos tranqüilos e lentos, servem como preparação, quase que como um tempo para que os atrasados entrem no cinema. Com 5 minutos de projeção, a aventura começa, e sem interrupções, estejamos prontos ou não. Mas 10 anos é tempo o bastante para se preparar. Foi isso, aliás, o que passou na minha cabeça durante todo o filme. A sensação de que finalmente aquilo estava se resolvendo, o sentimento de que depois de tanto tempo, as coisas estavam acontecendo, e eu estava me despedindo daquelas pessoas que cresceram comigo. Só isso para explicar os olhos marejados com um beijo súbito, de um casal que vi se formar.
Mas este não é um filme com foco em romances. É um filme cruel, que pouco lembra a magia infantil dos primeiros. Corpos para todos os lados, crianças sendo mortas por lobisomens. É um filme de guerra. Em dado momento, Harry anda devagar por Hogwarts, e o chão está coberto de livros destruídos, nos lembrando que em algum momento, aquilo era uma escola, e não um campo de batalha.
Dizer que esta ou aquela cena são sensacionais seria chover no molhado, pois o que vemos é um show de imagens, efeitos especiais que deverão receber todos os prêmios possíveis, uma direção de arte fantástica, fotografia marcante, tudo aquilo que esperamos de uma produção com qualidade técnica impecável. Mas há uma sequência de cenas em especial, que quase me fez levantar da cadeira para aplaudir. Uma cena aliás, que é fruto da coragem e imaginação do diretor David Yates e do roteirista Steve Kloves, que eu já havia salientado ano passado. Harry entrando no salão principal, confrontando Snape, a Ordem chegando, e McGonagall dando show. Minerva McGonagall sempre foi uma de minhas personagens favoritas, e aqui chegou seu momento. Quando ela empurra Harry e confronta Snape, o homem que matou seu amigo Dumbledore. Protegendo o garoto que, sabemos, não é apenas um aluno pra ela. Sabemos que foi ela quem deixou Harry na casa dos Dursley quando ele ainda era um bebê. Foi ela quem deu a Harry uma Nimbus 2000. Ela tinha uma afeição pelo garoto, mas sempre manteve a postura rígida de professora ríspida. Nesse momento, McGonagall se entrega. “É bom ver você, Potter”. E se diverte: “Eu sempre quis usar este feitiço”. E aí preciso dizer: Maggie Smith, SUA LINDA!
Falando nos melhores personagens, chegou também a vez de Snape. Depois de anos sendo de longe a melhor interpretação em todos os filmes, Alan Rickman mais uma vez é o destaque, mas agora mostrando um Snape diferente. Um Snape que chora. Todas as cenas em que Rickman está presente, sua dualidade chega a assustar, de tão perfeita. Personagem e ator em sintonia perfeita. Perceba quando McGonagall toma a frente de Harry, como ele hesita, mas segue em frente, dando um jeito de matar os irmãos Carrow, para depois fugir de forma espetacular. As cenas que formam sua lembrança também merecem ser lembradas. A fotografia dessaturada da lugar a cores em abundancia, mostrando que aquele homem já foi feliz algum dia, e a montagem excepcional nos conta a história triste do personagem. Se Alan Rickman tivesse morrido antes de o filme estrear, o Oscar seria dele.
As adaptações de Yates e Kloves funcionam na maioria das cenas, deixando a desejar apenas em algum momento, como a batalha final entre Potter e Voldemort, que no livro é muito mais emocionante. Aliás, emoção não pareceu ser o foco deste filme. O que mais senti falta foi um abraço entre Harry e Rony. Quando Harry se prepara para entrar na floresta, Hermione se despede dele, com lágrimas merecidas, mas e Rony? Faltou um abraço dos dois amigos, e é esse o motivo que não me deixa dar nota 10. O final nostálgico me pegou de surpresa. Esperava uma catarse de choro e despedida, mas ela não veio.
Contudo, pode-se dizer sim, que este é o melhor filme da série, que fez jus a tudo que acompanhamos nesses 10 anos, junto com Harry e seus amigos, “até o fim”.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 ***** 9,5
Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, Reino Unido
David Yates, 2011